quarta-feira, 6 de abril de 2016

O Princípio da Igualdade e sua significação no estado democrático de direito


Alvacir Alfredo Nicz
O princípio da igualdade ainda que eternizado é desde os tempos mais remotos até hoje um dos temas de maior complexidade da humanidade, tanto sob os aspectos político, filosófico, econômico, social e jurídico.
Em toda sociedade, independente de sua forma e organização, a igualdade é objeto de reflexão, investigação e debate. O seu foco volta-se sempre ao alcance de uma maior isonomia ou, quando não, de uma redução das desigualdades.
Também no estudo da Ciência do Direito tal princípio, remontando os tempos mais longínquos até a atualidade, tem sido objeto de debates e indagações visando a sua efetiva concretização.
No mundo jurídico historicamente assistimos a uma evolução perceptível e dogmática do princípio da igualdade, o qual se desenvolveu sob três concepções distintas, ou seja:
1. o princípio da igualdade perante a lei, este com significado meramente formal;
2. o princípio da igualdade perante a lei, todavia, sob uma concepção material, e;
3. o princípio da igualdade enquanto projeto real visando a obtenção da igualdade de oportunidades como concretização da idéia de justiça social.
Tal princípio não pode ser objeto
apenas de uma análise científica, uma vez que a amplitude do tema, bem como a sua utilização se apresentam muitas vezes equivocadas, tanto no âmbito do Direito, como na Filosofia, na Ciência Política e também na Política.
“É o princípio da igualdade um dos de mais difícil tratamento jurídico. Isto em razão do entrelaçamento existente no seu bojo de ingredientes de direito e elementos metajurídicos”. (BASTOS, 1995, p.164).
Inicialmente tratado no campo do Direito natural, veio posteriormente a ser inserido no âmbito das normas do Direito positivo, agora como instrumento de regulação da sociedade e das relações entre seus membros.
Assim, para compreendê-lo quanto a amplitude de sua importância e de sua eterna atualidade, faz-se necessário proceder a análise de seus elementos conceituais antes sob o ângulo filosófico.
Aliás, a importância sob este ângulo decorre das lições pronunciadas pelos filósofos antigos, acrescido ainda da contribuição dada pelo cristianismo para sua construção.
A igualdade e a fraternidade que o cristianismo proclamou, asseguravam a todos os homens os mesmos direitos.
Aristóteles na sua concepção de Estado exigia que, em nome da justiça, todos fossem tratados com igualdade e, que os indivíduos não se lesassem mutuamente em seus direitos. Para ele, todavia, “se as pessoas não são iguais não receberão coisas iguais”.
Esta concepção sobre a igualdade aristotélica deve, todavia, ser traduzida aos olhos de seu autor, sob pena de se produzir um reducionismo em seus conceitos.
Ele trabalha o conceito de igualdade juntamente com o de justiça. Esta é vista sob o ângulo de sua multiplicidade de sentidos e quanto a sua ambiguidade, aqui voltada aos termos justiça e injustiça.
Na doutrina aristotélica-tomista justiça corresponde a “dar a cada um o que é seu, segundo uma certa igualdade”.
“De acordo com esta doutrina, surgem três elementos que consubstanciam a justiça:
a) a alteridade ou alteritas, que é a demonstração da necessidade da existência de mais de um sujeito, uma vez que a justiça sempre se processa em relação a outrem e nunca a si próprio;
b) o devido ou debitum, que é a configuração de dar a cada um o que é seu. Este debitum é atribuído segundo uma igualdade (aequalitas);
c) o terceiro elemento é a igualdade, ou aequalitas, que atribui uma determinada flexibilidade ao sistema. A igualdade pode ser absoluta ou aritmética, como, também, proporcional ou geométrica.
A justiça divide-se tradicionalmente em justiça geral ou legal, comutativa e distributiva.
A justiça geral ou legal ordena que os governantes exerçam a justiça por meio de elaboração de leis favoráveis ao bem comum e que os súditos obedeçam às referidas leis. Nessa igualdade obedece-se à medida estabelecida pela lei.
A justiça comutativa rege as relações entre os particulares, de modo que cada um receba o que é seu. É a aplicação do devido, e a igualdade seguida é a aritmética.
A justiça distributiva rege as relações dos poderes públicos em relação aos particulares, obrigando que os bens e encargos sejam repartidos proporcionalmente entre os indivíduos que compõem a sociedade. É a igualdade proporcional”. (NICZ, 1981, p.94/95).
É importante observar o alcance da justiça comutativa e da justiça distributiva no que se refere a igualdade das partes.
Na justiça comutativa, a regra é a igualdade das duas partes intervenientes na permuta, ao passo que na justiça distributiva a regra é a desigualdade para remunerar cada qual segundo os seus méritos: a serviços desiguais, retribuição desigual”.(CAETANO, 1977, p.184).
Aos olhos de Aristóteles nem todos eram considerados cidadãos, uma vez que muitos nem possuiam ou exerciam direitos. Assim, enquanto de um lado era dado aos cidadãos a possibilidade de participação, de outro, os demais eram vistos como seres inferiores que formavam um contingente de escravos e, portanto, não gozavam da possibilidade de ocuparem cargos ou receberem bens do Estado.
Esta concepção de igualdade sob os olhos de Aristóteles de que alguns nasceram para o mando e outros para a obediência não se resume apenas a ele. Platão, filósofo daquela época, reconhecia também a existência da escravidão onde alguns nasceram para comandar e outros para obedecer.
Também Rousseau teceu considerações acerca da igualdade, tanto no seu “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”, de 1754, como também no “Contrato Social”, de 1762.
No “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”, Rousseau aponta a existência de uma desigualdade natural ou física decorrente da idade, sexo, constituição do corpo, alma, etc. e, outra, denominada de moral ou política proveniente de certos privilégios de que alguns gozam sobre outros, seja por serem mais abastados ou, ainda, mais poderosos e prestigiados.
Sendo a chamada desigualdade moral ou política de Rousseau proveniente do estabelecimento de uma convenção firmada pelos membros da sociedade, nesta sua obra ele iniciava o tracejar da teoria do Contrato Social.
Este contrato era estabelecido com base na liberdade de que gozavam os integrantes da sociedade e que, por serem livres, detinham a faculdade de abrir mão de parcela desta em troca da garantia do restante.
Portanto, ele configurava a transposição dos homens do estado de natureza para a formação em sociedade, abrindo mão de parcela da liberdade individualizada em prol do todo, todavia, devendo os seus membros continuarem com o gozo da maior liberdade tanto quanto possível.
A finalidade do contrato era a conservação plena dos direitos individuais dos cidadãos. Assim, cada um continuava livre e igual. Ao Estado competia eliminar os extremos de pobreza e riqueza, de modo que os homens tornassem-se iguais.
Para Rousseau, por natureza, existiam desigualdades, mas pela convenção do contrato social todos se tornavam perfeitamente iguais.
As desigualdades política e moral tiveram o seu início com o estabelecimento do contrato social, isto é, com a formação dos homens em sociedade. Assim, enquanto de um lado, eram superadas as dificuldades impostas pelo estado de natureza decorrente das diferenças naturais, do outro, iniciava-se uma nova e efetiva desigualdade entre os homens.
É importante aqui lembrar de dois outros pensadores da filosofia política, Pufendorf e Locke, que tiveram influência nas posteriores Declarações de Direitos dos Homens.
Para Pufendorf, o fundamento material do direito natural repousa na liberdade, igualdade e sociabilidade dos homens. A liberdade origina-se da dignidade natural e, em razão desta, é igual em todos, fazendo com que, juridicamente, por direito natural, todos os homens sejam iguais. A igualdade de todos é o fundamento do direito natural.
Para Locke, o indivíduo possui direitos naturais inalienáveis que não podem ser abdicados, em razão de todos os homens serem livres e iguais. A sua teoria foi vista à época como a mais ajustada aos princípios do direito natural e que melhor garantia os direitos do homem.
A primeira Declaração dos Direitos do Homem – passo decisivo na história da humanidade – recebeu a influência de Pufendorf e Locke, sendo este último conhecido como pai espiritual da Declaração de Virgínia.
Quanto a idéia de igualdade sob a ótica jurídica destacam-se os movimentos constitucionalistas do século XVIII e revolucionário do século XIX, marcos importantes no surgimento das Declarações de Direitos.
A primeira delas, a Declaração de Direitos de Virgínia, de 12 de junho de 1776, foi a precursora das modernas Declarações de Direitos. Ressalte-se, inclusive, que muitas frases dessa Declaração parecem reprodução das idéias de Locke.
Esta Declaração não obteve a repercussão alcançada pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão da França de 1789, ainda que já tivesse em seu art.1º consignado que “todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, .......”, e em outros de seus artigos tratasse também de matéria correlata a igualdade tais como, sobre a abolição de privilégios ou, ainda, sobre matéria de ordem política.
Ainda que a própria Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 7 de julho de 1776, tivesse reconhecido como verdades que “todos os homens são criaturas iguais, dotadas pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade”, sem dúvida é a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, produto da Revolução francesa, que modernamente estabeleceu a concepção do princípio da igualdade.
A mesma dispõe em seu art.1º que “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”.
Há entre estes textos, evidentemente, uma efetiva aproximação de idéias decorrentes de influências exercidas pelas primeiras, afora o fato dos movimentos políticos norte-americano e francês terem muitas vezes em comum princípios ideológicos.
A igualdade visada manifestava discordância na possibilidade da obtenção de vantagens e privilégios concedidos à aristocracia e aos monarquistas. O que se pretendia era estabelecer a viabilidade de que os mais talentosos, trabalhadores ou com outros predicados é que seriam os recompensados. Afastava-se, assim, pelo menos era esta a pretensão, de que a ninguém ou a nenhum grupo era dado o poder de conquistar vantagens previamente.
 “Esse tipo de igualdade gerou as desigualdades econômicas, porque fundada ‘numa visão individualista do homem, membro de uma sociedade liberal relativamente homogênea’”. (SILVA, 2000, p.217).
Assim, buscava-se estabelecer a igualdade perante a lei, isto é, a igualdade formal. Não se visualizava alcançar ainda a igualdade material.
Esta despreocupação com o alcance da igualdade material era natural e justificável, uma vez que àquela época o desenvolvimento do tema se fazia face ao liberalismo clássico decorrente de aspectos ideológicos desenvolvidos naquele momento. O que se buscava era realçar uma igualdade oriunda do talento e do esforço de cada um. Tanto que a própria Declaração em seu art.6º admitia a diferenciação proveniente de suas virtudes e seus talentos.
Abria a perspectiva de cada um buscar as suas realizações, oriundas de um processo obtido pelas suas próprias aptidões naturais. Em nenhum momento se pensava na possível participação do Estado como instrumento de concessão de benefícios para fins de proporcionar uma maior igualdade.
Esta Declaração de Direitos vinha inclusive prestigiar a lei (o princípio da legalidade) como instrumento indispensável ao alcance da igualdade. Assim é que em seu art.4º dispunha:”A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem:em consequência, o exercício dos direitos naturais de cada homem só tem por limites os que assegurem aos demais membros da sociedade a fruição desses mesmos direitos. Tais limites só podem ser determinados pela lei”.
Esta Declaração teve e continua tendo ainda no mundo de hoje uma expressiva importância, não apenas pela influência que exerceu nos documentos posteriores, como pela inserção do princípio da igualdade jurídica.
No Estado brasileiro essa influência também se fez presente, tanto que todas as nossas Constituições, desde a do Império de 1824, embora esta tenha sido bastante sucinta quanto a matéria, até a Constituição vigente trataram, de uma forma ou de outra, do princípio da igualdade.
Pimenta Bueno ao comentar tal princípio no nosso texto constitucional de 1824, afirmava que “qualquer que seja a desigualdade natural ou casual dos indivíduos a todos os outros respeitos, há uma igualdade que jamais deve ser violada, e é a da lei, quer ela proteja, quer castigue, é a da justiça, que deve ser sempre uma, a mesma, e única para todos sem preferência, ou parcialidade alguma”. (PIMENTA BUENO. 1958, p. 412).
De um modo geral o princípio da igualdade tem sido tratado nos documentos constitucionais sob a ótica jurídico-formal, isto é, da igualdade perante a lei.
Mas, mesmo assim, alguns outros textos tem avançado no trato do tema incluindo preceitos visando igualizar os desiguais quando criam mecanismos jurídicos, muitas vezes de outorga de direitos sociais ou, ainda, por novos instrumentos, buscando pelo menos reduzir as desigualdades mais flagrantes.
É da análise deste processo que se consegue extrair outra visão da igualdade que não seja apenas a da igualdade formal, uma vez que esta vem consagrada de um modo geral na maioria expressiva dos documentos constitucionais.
Esta igualdade perante a lei que tem como destinatários o legislador e os seus aplicadores protegem as pessoas para que sejam tratadas igualmente quando iguais e desigualmente quando desiguais, isto é, a lei não tratará desigualmente os iguais, ou seja, não será criado tratamento diferente para situações assemelhadas ou idênticas. Como afirma Roger Rios, “neste sentido negativo, a igualdade não deixa espaço senão para a aplicação absolutamente igual da norma jurídica, seja quais forem as diferenças e as semelhanças verificáveis entre os sujeitos e as situações envolvidas”. (RIOS. 2002, p.38)
De outro lado, a doutrina se debruçando novamente sobre a igualdade, identifica-a sob a concepção material visando propiciar a existência de mecanismos, na sua grande maioria na órbita do Estado e por este estimulado, que tem como ponto capital estabelecer uma igualdade real e efetiva que possa ser por todos usufruída na sua plenitude.
Ainda que a igualdade material absoluta possa ser utópica, todavia, o Estado não pode se omitir no dever de responsável direto pela busca de uma maior isonomia entre todos, isto é, uma maior proteção aos mais fracos.
A liberdade econômica desenfreada acrescida ainda de outros fatores, inclusive os de ordem política, implantada à época do “laissez-faire” ainda que tenha teoricamente proporcionado progresso econômico de um lado, do outro, deixou profundas marcas da miséria, abusos e injustiças que configuraram uma real e efetiva desigualdade social.
Enquanto no Estado Liberal o princípio da igualdade perante a lei foi bastante formal e demasiadamente limitado, já no Estado Social as Constituições tem tratado com bastante interesse a inclusão de normas de direitos sociais, como educação, saúde, trabalho, previdência e assistência sociais visando dar uma maior igualdade material entre as pessoas.
É evidente que ainda que se caminhe a passos lentos para o alcance de uma maior igualdade entre todos, todavia, há esperanças renovadas dia a dia, de que tais normas possam ser não apenas incluídas nos textos constitucionais mas, principalmente, preenchidas de eficácia social que as permitam ser efetivamente usufruídas por seus destinatários.
O Estado passa a ser reconhecido como impulsionador do desenvolvimento e responsável pelo nivelamento das igualdades sociais exercendo, muitas vezes, correções na direção do sistema econômico vigente.
Assim, o princípio da igualdade jurídica não se restringe apenas ao aspecto formal mas, principalmente, passa a ser tratado sob a ótica da concepção material como um instrumento hábil para tornar efetivo o alcance da igualdade real. Desta forma, tal princípio no Estado de Direito insere-se também, agora como proporcionador de oportunidades no âmbito do Estado Social.
“A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”. (MELLO. 1993, p.10)
Com o objetivo de colocar os integrantes da sociedade com as mesmas condições de oportunidades o princípio da igualdade tem sido trabalhado, muitas vezes, no sentido de beneficiar uns em detrimento de outros. Esta ponderação se mostra necessária visando proporcionar a justiça aos mais necessitados, através de mecanismos que igualizem os desiguais ou minimizem no tempo as desigualdades existentes.
Ao longo dos anos tem sido desenvolvidas ações específicas, buscando eliminar ou reduzir as desigualdades existentes entre categorias sociais, discriminadas negativamente até que elas sejam superadas.
Dentre outras políticas de ordem social desenvolvidas pelo Estado para socorrer os mais necessitados, destaca-se ainda no mundo jurídico a utilização da chamada ação afirmativa.
Esta decorre de programas e de políticas públicas e/ou privadas exercitadas por ação compensatória para fins de correção de distorções sociais.
Ela tem sido utilizada como instrumento de superação ou de transição da igualdade formal para a igualdade material. De um modo geral, tem sido utilizada para contratação de empregados, admissão de alunos em instituição de ensino superior, contratação com o Poder Público, oferta de oportunidades no exercício do direito dos deficientes físicos, participação de mulheres na disputa de cargos eletivos e outros.
Aliás, ela tem um universo muito maior que aquele que nós normalmente nos debruçamos em sua análise. Ela não se resume a atuar na exclusividade do benefício às pessoas físicas, mas também atua para as pessoas jurídicas quando dirigidas as empresas de pequeno porte, as empresas de propriedade de grupos minoritários étnicos ou raciais, enfim, o seu universo é variado e amplo, mas sempre visando a igualização.
A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias”. (ROCHA, 1996, p.295).
Este mecanismo tem, quase sempre, sido associado à fixação de cotas, isto é, a reserva de um número de lugares a favor de um conjunto de pessoas que integram um determinado grupo. Este sistema de cotas é apenas um dos instrumentos existentes para fins da ação de discriminação positiva.
Muitos destes mecanismos utilizados, seja no texto constitucional ou na legislação infra-constitucional, tem sido aceitos até com certa passividade, sem maiores polêmicas, sem maiores discussões, sem enfim maiores contestações. Já, outros tem se sujeitado a um debate mais amplo, face a sua não aceitação pacífica.
Dentre estes podemos relacionar como os mais atuais, inclusive objeto de maiores discussões os que tratam das cotas, ou seja, reserva de vagas para determinados grupos minoritários, não necessariamente no sentido quantificativo, como os indíginas, negros, mulheres que, todavia, encontram-se sob certa ótica inferiorizados socialmente ou desigualados juridicamente.
O nosso dispositivo constitucional do art. 5º parece querer revelar que o constituinte se pautou fundamentalmente pela opção da igualdade formal. O referido artigo dispõe:
 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.....”.
O texto constitucional quando estabelece “sem distinção de qualquer natureza“, a primeira vista, parece afastar peremptoriamente a possibilidade de toda e qualquer discriminação.
Entretanto, visando alcançar o Estado Democrático de Direito consignado no “caput” do art. 1º da Constituição Federal e, também mencionado no seu Preâmbulo, acolhe, evidentemente, a concepção de tal princípio, tanto sob a ótica formal quanto material.
A instituição de um Estado Democrático, nos termos da intenção manifestada pelo constituinte na parte preambular da Constituição, aponta o caminho pretendido de “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais” e, dentre outros “a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.
É dentro do contexto do nosso sistema constitucional que se deve analisar tal princípio, de modo a perseguir o alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, estabelecidos no art.3º da Constituição.
Ora, se de um lado, o princípio da igualdade não é absoluto, de outro, ele se presta para uso como regra de interpretação.
Assim, a interpretação sistemática do texto constitucional tem que visar necessariamente o alcance dos objetivos maiores traduzidos pelo constituinte.
No nosso texto constitucional vigente encontramos vários preceitos de discriminação positiva, tais como no art.7º, XX , art.145, § 1º, art. 170, IX, art. 179, bem como encontramos também, em leis infra-constitucionais, como por exemplo no Código do Consumidor, na lei eleitoral e outras.
O princípio da igualdade, assim, no nosso texto constitucional não se resume apenas ao aspecto formal, isto é, que vede qualquer criação de tratamento diferenciado ou privilégios dirigidos a determinados grupos que se encontrem em condições muitas vezes indígnas.
Tal princípio tem em si incorporada a concepção da igualdade material, visando esta o acolhimento da adoção de medidas de discriminação positiva dirigidas a tornar a igualdade fática e real, de modo a que sejam plenamente alcançados os objetivos consignados no art.3º da Constituição Federal.
Tem assim, ainda, como objetivo primordial, cumprir com o valor supremo da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado brasileiro, senão o primeiro e mais importante dentre aqueles consignados expressamente nos incisos do art. 1º da nossa Lei Fundamental.
O princípio da razoabilidade, objeto do resultado da interpretação dos artigos do texto normativo que tratam da matéria, revela a possibilidade do legislador editar a norma numa precisa correlação entre o meio adotado e o fim a ser alcançado.
É oportuno, todavia, ressaltar, que qualquer das medidas de discriminação positiva ou ação afirmativa devem ser sempre transitórias, nunca definitivas, devem ser moderadas, isto é, obedientes ao princípio da proporcionalidade, devem ser adequadas, devem ser utilizadas com a devida prudência e, evidentemente, serem necessárias para atenuar as desigualdades aviltantes, para consertar as desigualdades injustas tendo como finalidade sempre o alcance da justiça.
A utilização destes instrumentos devem ser feitos com cautela e prudência, de modo a não usá-los excessivamente, até para que não se afaste a adoção de critérios definidores de tratamento entre as pessoas, bem como que o seu uso não seja ilimitado, porquanto tal ato poderia vir a ensejar novas discriminações, agora em detrimento da maioria.
Todavia, as políticas afirmativas devem ser estimuladas e concretizadas visando alcançar uma maior igualdade ou minimizar as desigualdades existentes na sociedade, de modo a objetivar o pleno alcance e realização da dignidade da pessoa humana no nosso Estado Democrático de Direito.
Assim, podemos afirmar que tal princípio deve ser no Estado Democrático de Direito um instrumento de concretude da justiça social, não meramente como ponto de partida, mas principalmente como ponto de chegada, isto é, visando o alcance da concretização efetiva da igualdade real assentada na eliminação das desigualdades econômicas, sociais e culturais e, mais, em especial, a criação de instrumentos que proporcionem a efetivação da igualdade de oportunidades.
A igualdade, portanto, passa a exercer aos olhos do Estado uma função relevante de princípio norteador das políticas públicas de inclusão social visando a erradicação da miséria, da pobreza, da fome, do analfabetismo, isto é, objetivando proporcionar a todos uma vida humana digna.

Bibliografia
CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v.1.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1995.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 1993.
NICZ, Alvacir Alfredo . A liberdade de iniciativa na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
PIMENTA BUENO, José Antonio. Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958.
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002
ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Brasília: Revista de Informação Legislativa, Ano 33, n. 131, jul/set, 1996.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000.

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